quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

51 - Dimensões

“Não se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se conhecer, se não fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representações, e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência a compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los, e deste modo à elaboração da matéria informe das impressões sensíveis para esse conhecimento das coisas que se denomina experiência?
No tempo, pois, nenhum conhecimento precede a experiência, todos começam por ela.
Mas se é verdade que os conhecimentos derivam da experiência, alguns há, no entanto, que não têm essa origem exclusiva, pois poderemos admitir que o nosso conhecimento empírico seja um composto daquilo que recebemos das impressões e daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona (estimulada somente pelas impressões dos sentidos); aditamento que propriamente não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses dois elementos.”
Emmanuel Kant, Crítica da Razão Pura


Observe uma pintura, uma gravura, uma fotografia. O que percebe? A composição, o contraste luz/sombra, a idéia básica da criação, a mensagem do artista, as relações conceituais? Descobre novas interpretações para o tema, formas de questionar diferentes, sutilezas na construção da obra, a orientação ideológica do artista, a técnica utilizada. Recorda? Imagina? Sonha?

Observe o ambiente. O que percebe? Os sons, os aromas, os objetos, as pessoas, as relações pessoais, o fluxo da vida, a passagem do tempo, as expressões corporais? Descobre significado para os fatos e objetos observados? Consegue perceber as semelhanças nas diferenças?

Cada ser humano é único. Peculiar em sua idiossincrasia. Nasce, cresce, vivencia uma existência marcada pela incerteza e morre. Somos iguais em nossas diferenças. Ninguém é melhor ou menor. Somos apenas diferentes.

Assim, existem diversas formas de compreender a Arte de Go. Go é jogo estratégico? É arte marcial? Possui embasamento filosófico? Ensina algo para a vida? É adequado aos jovens? Útil para os idosos?

No ocidente, a herança cultural grega desenvolveu uma forma de pensar muito diferente da oriental. O ocidente tende a fazer distinções por categorias, classes, objetos. O pensar linear (concreto, objetivo e pragmático) é uma das principais características da cultural ocidental. E um dos maiores obstáculos para a compreensão do Go.

Categorizar o jogo de Go é um grande equívoco. Para compreender o Go é necessário romper com o paradigma ocidental do pensar linear. Go possui N dimensões conceituais. Justamente por possuir uma matriz conceitual tão abrangente é belo, fascinante, sutil, intrigante, desafiador, complexo, rico em sinais e símbolos. E uma simplicidade enganadora.

Ao questionar o paradigma do pensamento linear, o goísta (termo aqui utilizado para nomear os praticantes da arte de Go), logo descobre que a matriz conceitual de Go possui vetores filosóficos, lúdicos, marciais, estéticos, matemáticos, sócio-culturais, etc. E que a idéia de Go como apenas um jogo é uma visão acanhada, e redutora, de uma prática milenar.